Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – De alimento popular a produto de luxo. A castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), rebatizada por lei no Amazonas de castanha-da-Amazônia, deixou para trás a noz e a castanha de caju, que são importadas, no mercado consumidor de Manaus. Até novembro de 2024 o quilo da castanha era vendido, em média, a R$ 60. O pacote de um quilo de castanha mais barato custa R$ 95 nas feiras, mas a castanha vem dos estados do Maranhão e do Ceará. Nos empórios de Manaus, o preço do quilo do fruto amazônico chega até a R$ 150.
Produtos típicos do Nordeste e do Sul do país, a castanha de cajú é vendida em Manaus por R$ 80, em média, o quilo, e as nozes por R$ 90/Kg.
“As pessoas acham que trabalhar com castanha é que nem trabalhar com tapioca, com queijo, com castanha de caju. Não é. É mais difícil, porque a gente depende do tempo, do clima” diz a produtora Hastrid Franco, da Aprocam (Associação dos Produtores de Castanha de Amaturá), município a 1.205 da capital.
Hastrid Franco relata que o início da floração das castanheiras ocorre no mês de março e vai até julho. Nos meses seguintes, os ribeirinhos se deslocam pela mata até os locais onde estão as castanheiras nativas, que medem entre 25 e 30 metros de altura, para recolher o ouriço.
“Uma vez que o ouriço da castanha é recolhido na mata, trazemos o produto para ser processado na cooperativa e começar a etapa do processo de beneficiamento do fruto. Por dia, chegamos a 70 latas com ouriços”, diz Hastrid.

Cada lata equivale entre três e quatro quilos do fruto “in natura”, ainda dentro dos ouriços, a carapaça no formado de bolas. “Ano passado, teve a seca severa, choveu pouco. Devido a esse clima, a gente tem agora pouca castanha. Na verdade, quando tem muita castanha o preço baixa. E quando tem pouca castanha o preço sobe”, diz a produtora.
Hastrid relata que o recolhimento dos ouriços da castanha exige cuidados para evitar acidentes na mata. “Os ouriços não são arrancados da castanheira. Você tem que esperar que eles caiam e você faz a recolhida do chão. Imagina cair um ouriço desses na sua cabeça de uma altura de 30 metros. Então, você vai na força e na coragem, não pode ter ventania”, diz a extrativista.
Para a produtora, não há dúvidas de que o aumento do quilo da castanha de R$ 60 para R$ 120, em média, está relacionado com a seca do ano passado. Hastrid acredita que a floração deste ano, que começou em outubro de 2024 e vai até abril de 2025, seja melhor. “O período de queda dos ouriços é de dezembro a fevereiro e a colheita vai até julho. Ainda estamos na época da colheita, e o tempo chuvoso é bom para a produção da castanha e indica que podemos ter boa produção”, diz.
Outro fator que encarece o preço da castanha, e que também está relacionado com a seca, é o transporte fluvial do produto. “Todo o trabalho de buscar na mata, selecionar os ouriços, quebrar para que as castanhas saiam inteiras, o processo de vapor para soltar as cascas, desidratar o fruto e embalar, tudo é feito de forma manual. Não é fácil. E são três dias de barco de Amaturá até Manaus. Se o rio estiver seco, é mais complicado, por terra é impossível”, diz.
“Aproveitamos tudo da castanha. O ouriço, depois de quebrado, misturamos com a casca da castanha e usamos para fazer a lenha que vai ser usada no forno que vai secar as castanhas. Depois as castanhas são levadas para uma estufa e antes de ser embaladas, testamos a crocância”, complementa.

Mutação genética
Para Paulo Menezes, engenheiro agrônomo e técnico administrativo do Ifam (Instituto Federal do Amazonas), a seca e às altas temperaturas estão afetando a fisiologia dos vegetais, a floração, a polinização, os insetos polinizadores, a absorção de água, nutrientes e evapotranspiração, fatores considerados essenciais para a sobrevivência dos vegetais.
“Essas grandes secas de 2023 e 2024 diminuíram a produtividade das castanheiras. Deve haver pesquisa científica sobre como a seca e às altas temperaturas estão afetando à fisiologia das plantas. Pesquisas indicam que o desmatamento, queimadas estão causando mudanças climáticas, e terão como consequência a transformação da floresta amazônica em savanas, uma vegetação semelhante ao cerrado até o final deste século, se continuar essa destruição”, diz.
O engenheiro alerta que devido ao desmatamento o “efeito bordadura” está atuando na floresta. “Quando a mata é derrubada e uma pequena área permanece isolada, as árvores que ficavam dentro da floresta passam a estar nas bordas do fragmento de mata. Muitas espécies têm dificuldades de adaptação aos novos aspectos naturais à sua volta e adoecem. Essas plantas têm morte lenta e gradual. Procedimentos de manejo ambiental podem diminuir os impactos do isolamento de uma área de floresta, preservando boa parte de sua biodiversidade”, diz.
Produtores
Segundo o Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), em 2023 foi registrada uma produção de 230.797 hectolitros de castanha com casca. Um hectolitro equivale a 50 e 56 quilos.
Em 2024, o cultivo da castanha produziu 593.154,4 hectolitros. Itacoatiara foi o maior produtor com 508.232,00 hectolitros. Os municípios de Amaturá, Juruá, Humaitá, Benjamin Constant, Tapauá e Codajás também são produtores de castanha.
“O Idam apoia a cultura da castanha por meio da distribuição de mudas, assistência técnica e capacitação. As mudas são adquiridas por meio de uma parceria entre o Idam e o Instituto Excelsa, sendo produzidas pela Fazenda Aruanã e distribuídas por técnicos do instituto a agricultores familiares. Além de fornecer uma fonte de renda alternativa, o cultivo da castanha auxilia na restauração de áreas florestais degradadas”, diz o Instituto em nota.
No Amazonas há 3.309 extrativistas trabalhando na coleta de castanha e 1.322 produtores com lavouras da fruta. Rica em ácidos graxos, vitaminas B1 e B9, minerais e fibras, ômega 3, a castanha-da-Amazônia é um alimento indispensável na dieta. O preço salgado, no entanto, torna o fruto indigesto para o consumidor.