O
Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública (ACP), com pedido
de tutela provisória de urgência, requerendo a condenação de João Cléber de
Souza Torres, Raimundo Pereira dos Santos Neto, Gaspar Francisco da Silva, do
Município de São Félix do Xingu (PA) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai) pela realização de obras de abertura/manutenção de estrada vicinal e de
desmatamento ilegal em área grilada localizada na Terra Indígena Apyterewa.
A área é
tradicionalmente ocupada pelos Parakanã, cuja demarcação e delimitação das
terras foram realizadas pela Funai ainda em 1991. No entanto, somente em 2008 o
processo administrativo de demarcação foi finalizado. Apesar disso, o poder
público não garantiu, até o momento, os plenos direitos territoriais do povo
Parakanã. De acordo com o MPF, a chamada desintrusão – retirada de não
indígenas – da área ainda não foi efetivada.
Na ação, o
MPF pede à Justiça Federal que defira o pedido de tutela de urgência para que
os réus Gaspar, João Cléber e Raimundo regenerem as áreas desmatadas, retirem
seus representantes e cessem qualquer atividade econômica no local (Fazenda
Promessa). Já à prefeitura e seu gestor, que se abstenham de prestar serviços
ou deem anuência a realização de obras no local. Além disso, que prestem
informações de obras autorizadas ou realizadas entre 2017 e 2023. Com relação à
Funai, que monitore a área da Fazenda Promessa a fim de identificar possíveis
atividades como expansão da área desmatada ou uso controlado do fogo.
O MPF ainda
pede que o valor do rebanho comercializado por Gaspar seja revertido
integralmente em benefício da Associação Indígena Tato’a, uma vez que os
Parakanã são vítimas diretas do crime cometido pelo grileiro. Com relação a
este, a João Cléber e a Raimundo, que paguem, solidariamente, mais de R$ 2,2
milhões, que equivalem ao somatório das multas aplicadas anteriormente.
Ocupação de má-fé
De acordo
com as investigações, a maioria dos ocupantes não indígenas da Terra Indígena
Apyterewa lá estão de má-fé ou são grileiros que nunca foram completamente
retirados da área. Ocorre que em 2011, a Funai publicou uma resolução adotando
“marco temporal de boa-fé”, a partir de 2001 (referente à Portaria Declaratória
MJ 1.192/2001), que seria utilizado para qualificar as ocupações e indenizar as
benfeitorias empreendidas no local até a publicação da Portaria/MJ 2.581/2004.
No entanto, para o MPF, restaria presumida a má-fé de todas as pessoas que
ingressaram na terra após dezembro de 2001. Assim, a retirada dessas pessoas
não seria feita no bojo de um processo de desintrusão, mas em operação
policial, inclusive de fiscalização ambiental.
Para
complicar ainda mais a situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou
a nulidade da Portaria Declaratória MJ 1.192/2001 por vício formal. Com base
nisso, particulares e o próprio Município de São Félix do Xingu apresentaram
centenas de ações e incidentes processuais protelatórios da desintrusão. Na
prática, houve corrida para invadir Apyterewa supostamente alimentada pela
expectativa dos invasores serem indenizados, deixando significativo
desmatamento local.
O MPF
reforça que as ações judiciais que discutiram a legalidade da demarcação e a
reintegração de posse tiveram pronunciamentos favoráveis aos Parakanã. As
demais decisões em nada têm a ver com a demarcação. “A discussão sobre a
legalidade da demarcação da terra indígena está preclusa, acobertada pela coisa
julgada material”, pontua o órgão ministerial na ACP.
Entre 2011
e 2017, foram organizadas operações para efetivar a desintrusão da área, mas
que não obtiveram sucesso pela ineficiência do Poder Executivo, decisões
judiciais protelatórias (muitas das quais em incidentes movidos pelo próprio
Município de São Feliz do Xingu, cujo prefeito é o réu João Cléber de Souza
Torres) e ação violenta de grileiros da área. Por isso, centenas de invasores
vêm se somando aos ocupantes, especialmente a partir de 2017, como é o caso do
réu Gaspar Francisco da Silva.
Já o
Município de São Feliz do Xingu vem autorizando e empreendendo obras locais em
benefício dos invasores, de maneira inconstitucional e ilegal, o que contribui
para o avanço do desmatamento e a perenização das invasões, agravando o custo
político e econômico para a realização de desintrusão pela União.
É o caso de
uma obra de recuperação de uma estrada vicinal dentro da terra indígena
referida, que foi autorizada pelo réu Raimundo Pereira dos Santos Neto, da
Coordenação Regional Kayapó do Sul do Pará (CR-KSPA). Embora se tenha alegado
que a vicinal seria em favor dos indígenas, constatou-se que ela beneficiaria
uma fazenda grilada por Gaspar e que fica distante das aldeias parakanã.
(Assessoria de Comunicação do MPF no Pará)