Após a divulgação pela Prefeitura de Goiânia de um superávit de R$ 700 milhões, em meio à crise enfrentada na capital, especialistas passaram a questionar a transparência e a alocação dos recursos públicos. Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado e promotor de justiça aposentado Marcelo Celestino defendeu auditorias independentes para apurar a origem da dívida, principalmente na saúde.
Com vasta atuação nas áreas de Direito Público, Administrativo, Criminal e Ambiental, Celestino apontou a urgência de fiscalizar os contratos de gestão e reavaliar os gastos considerados não prioritários, como o patrocínio à Pecuária de Goiânia, realizado em meio ao anúncio de cortes na saúde. Para ele, a ausência de coerência e de medidas claras de apuração é um alerta. “Quando um gestor não se preocupa em apurar os erros do gestor anterior, ele está sinalizando que também vai cometer erros, né?”, afirmou.
“Eles alegam dívidas da gestão anterior e que o recebimento que estão tendo não está sendo suficiente para poder ter um plano de pagamento. Como um cidadão goianiense assistindo a essa situação, eu não vejo nenhum movimento de apuração dos motivos dessa dívida anterior. Porque nós sabemos muito bem que tudo isso é rastreado, você tem condições de saber onde gastou, como gastou, o porquê que foi gasto”, apontou.
Nesse contexto, o promotor aposentado vê com ressalvas a auditoria anunciada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que solicitou ao Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS) a ampliação da fiscalização dos repasses federais entre 2022 e 2024. Embora considere válida a iniciativa, ele destaca suas limitações. “Essa é uma auditoria muito boa dos recursos federais, mas então é uma auditoria documental, ela não tem uma auditoria in loco precisa”, explicou. Segundo Celestino, apenas esse tipo de fiscalização pode comprovar, por exemplo, se equipamentos adquiridos foram entregues conforme contratado.
Além disso, o advogado sugere que a prefeitura também realize auditorias próprias sobre os gastos com recursos estaduais e municipais. Para ele, a responsabilidade não pode ser transferida apenas para o DenaSUS ou para o governo anterior. “É preciso ter essa vontade política de fazer essa verdadeira peneira de tudo que foi gasto e para saber o que foi que aconteceu para chegar nesse ponto”, declarou. “O Iris Rezende não deixou a prefeitura da forma que o Rogério Cruz deixou”.
Em paralelo a isso, a Prefeitura de Goiânia anunciou ainda a redução do repasse mensal à Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc) para a gestão das maternidades, de R$ 20,5 milhões para R$ 12,3 milhões, por meio de um contrato emergencial de quatro meses. Sobre isso, o Dr. Marcelo Celestino alerta para o impacto direto na população.
Sem uma análise técnica sobre os contratos e os custos dos serviços prestados, ele afirma que a medida pode agravar ainda mais o colapso na saúde. “Você não pode fazer um corte linear porque vai cortar serviço… A demanda por serviço de saúde na área pública está só crescendo”, enfatizou. Para ele, apenas com auditoria detalhada e reorganização dos serviços seria possível reduzir custos com responsabilidade.
Celestino também questiona a adoção de medidas como a nova taxa do lixo, que será cobrada de cerca de 730 mil imóveis em Goiânia, no valor fixo de R$ 21,50, independentemente do tamanho do imóvel ou da quantidade de resíduos gerados. Apesar de considerar a cobrança válida em princípio, ele critica a destinação dos recursos.
“O prefeito está querendo arrecadar para ficar livre da despesa que tem com o lixo, com a gestão ambiental (..) Eu não percebi até hoje uma preocupação ambiental, mas simplesmente uma preocupação financeira… Isso aí não é o certo”, disparou. Para o jurista, o valor deveria ser integralmente investido em melhorias na gestão ambiental, na coleta e no tratamento do lixo.
A falta de estrutura e pessoal também afeta, segundo Celestino, setores essenciais como a fiscalização ambiental e tributária. Ele defende a realização de concursos para fiscais e a modernização dos órgãos responsáveis. “A agência municipal do meio ambiente está sucateada… Ela não tem condições técnicas e humanas de fazer todo esse serviço”, apontou. De acordo com ele, há empresas que atuam de forma irregular e que poderiam ser cobradas, aumentando a arrecadação sem penalizar o cidadão comum.
Na avaliação do advogado, o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, deveria usar sua experiência como empresário para adotar uma gestão mais racional e eficiente no setor público. Entretanto, ele observa que há uma diferença significativa entre comandar uma empresa privada e administrar um município. “Você tem outras pessoas para atender, não manda sozinho”, destacou. Ainda assim, ele cobra mais prudência nos gastos e um planejamento mais claro para enfrentar a crise. “A impressão que nós estamos tendo é que não está tendo essa cautela”.
Diante desse cenário, Celestino insiste que a auditoria nas contas da gestão passada é “de extrema necessidade”, não apenas para identificar erros, mas também para buscar ressarcimento de valores pagos indevidamente. “O Mabel tem condição de aumentar a arrecadação sem prejudicar a população, cobrando aquilo que tem que ser cobrado e não está sendo cobrado”, sugeriu.
O Dr. Marcelo reforçou ainda que, além da apuração federal via DenaSUS, é preciso compromisso local e apartidário com a verdade dos números. A população, segundo ele, não pode continuar sendo penalizada por uma gestão que aparenta mais interesse em equilibrar as contas do que em melhorar os serviços. “Em momento algum você vê falando de proteção do ambiente, você só vê ele falando de despesa. Isso aí é uma grande preocupação”, concluiu.